Revista Cérebro número 1 de Maio 1982

HÉLDER COELHO FALA À «CÉREBRO»:

«O HOMEM CONTINUA A SER O ACTOR PRINCIPAL»
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Hélder Coelho

Que papel está destinado à Informática na Sociedade em que vivemos? E, qual a sua influência presente e futura? Será a Informática capaz de dar respostas às necessidades dessa mesma sociedade?

Hélder Coelho é, sem dúvida, uma das personalidades mais fascinantes da informática em Portugal. "Cérebro", uma publicação que nasce para a vida precisamente no mês em que o forum dos informáticos se reúne numa das principais salas do país, orgulha-se de apresentar a primeira grande entrevista com alguém que consegue ter uma visão completa dos complexos problemas que se colocam na actualidade ao desenvolvimento da lnformática em Potugal. A quem ainda não saiba quem é Hélder Coelho, diremos que ele é formado em engenharia electrotécnica pelo Instituto Superior Técnico, e que pouco depois se especializaria em Sistemas Digitais no Philips Internacional Instituto, na Holanda, onde obteve um diploma de Estudos. Interessado pela Teoria da Informação desde 1965, conseguiu associar essa motivação, nos cursos que frequentou na Holanda, ao campo mais vasto da comunicação. A sua incursão na lnformática iniciou-se então através do projecto de um pequeno computador para controlar a qualidade dos écrans de televisão. De algum modo, esta sua incursão naquilo que se designa por hardware, foi logo acompanhada de uma experimentação no software, através da escrita de um programa para simplificar os componentes desse computador. Foi mais tarde que se interessou pela cibernética, e ensaiou os primeiros passos em trabalhos interdisciplinares, abrangendo a noção de sistema de informação no sentido mais amplo do termo. Em 1973 entrou para o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, e, após os primeiros estudos em Inteligência Artificial na Universidade de Edimburgo, orientou-se para o domínio da comunicação homem-computador em língua natural.

Muito mais se poderia dizer de um currículo extenso como é o do director da "Revista de lnformática", da API. Mas não queremos deixar de privilegiar a importância das suas afirmações, a autoridade do seu testemunho e a riqueza da sua experiência. De todo um conjunto de revelações e de toda uma análise aprofundada que transparecem desta entrevista, sublinharemos o ênfase que põe nas linhas de força do que poderia ser uma política informática em Portugal, linhas de força que, entre outras coisas, teriam de passar pela criação de uma Secretaria de Estado para normalizar (na acepção de colocar no estado normal) a situação da informática portuguesa.

SOZINHA, A INFORMÁTICA NADA FARÁ

Antes de entrar propriamente na resposta às questões colocadas, gostaria de precisar bem três noções que estarão presentes ao longo desta entrevistam informática, informação e dados. Por lnformática entendo a ciência do tratamento da informação, considerada como suporte dos conhecimentos humanos e das comunicações nos domínios técnicos, económico e social Informação é o elemento do conhecimento susceptível de ser representado com a ajuda de convenções para, ser conservado, tratado ou comunicado. E dado e a representação de uma informação sob uma forma convencional destinada a facilitar o seu tratamento.

A lnformática está entre nós na nossa vida quotidiana. Entra-nos em casa nos recibos da energia que gastamos (gás e electricidade), nos Movimentos de dinheiro que fazemos (banca), nos seguros que desejamos, nos salários que recebemos mensalmente, nos impostos que pagamos, e nas revistas e livros que assinarmos. Esta intervenção na nossa vida não vai parar. Anunciam-se para breve serviços públicos de informação via televisão, ou o acesso a grandes bancos de informação via telefone. Nos nossos empregos, a assiduidade é controlada diariarmente e afixada mensalmente. Os relatórios são preparados via computador e facilmente revistos e melhorados. E os gestores têm acesso, em qualquer instante, a um conjunto lato de informações que lhes permitem tomar decisões com urn rigor e uma grande probabilidade de êxito. Nas indústrias, os processos de fabrico são controlados por programas e a produção é gerada automaticamente. Os robôs tomam o lugar dos operários em tarefas perigosas e desgastantes. Nos ateliers e gabinetes de projecto o trabalho começa a ser assistido por computador, e todas as actividades de rotina começam a ser realizadas sem a intervenção do homem. Nos laboratórios de investigação, a Informática suporta os ensaios em modelos fisicos ou em modelos matemáticos.

O computador aparece assim como agente, instrumentos e aparelho de experimentação, tratando, manipulando e compreendendo a informação de que dispõe.

Neste contexto é claro que a Informática desempenha um papel tão relevante como o desempenhado pela Mecanização umas décadas atrás. Agora manipula-se a informação. como outrora a energia. Mas, quer num caso, como no outro, o homem continua a ser o actor principal. Sem ele, o computador e máquina de outrora ficarão parados. Deste modo, a influencia da lnformática, na presente, e na futura sociedade, será sempre o resultado de uma convergência de esforços: o resultado da articulação adequada entre informáticos (os profissionaisl/técnicos) os utilizadores (o público em geral) e a própria máquina-computador. Dai que acredita que a informática será capaz de dar respostas às necessidades da nossa sociedade na medida em que nós seremos capazes de encontrar soluções para os problemas que enfrentamos no presente e no futuro.

O caso português

Vejamos o caso português como exemplo. Será que a Informática poderá dar respostas às necessidades da nossa sociedade? É evidente que sozinha nada fará Poderemos ter um serviço de informações na TV do Proença, mas quem acreditará na verdade dessas notícias? Ou, quem acreditará que esse serviço vá para o ar à hora certa? Ou ainda quem acreditará que a TV passará a corresponder às nossas necessidades por muito informatizado/robotizado que o rato seja ? E, parafraseando Daniel Amaral direi: "Será possivel manter de pé um governo que não tem o apoio da economia, que não tem o apoio dos trabalhadores, que não tem o apoio dos empresários que já não tem o apoio de si próprio, mas que tenha um computador ? É evidente que neste caso a lnformática não poderá dar respostas para as necessidades da nossa sociedade!"

Para mim é claro que a lnformática tenderá a desempenhar um papel cada vez mais importante na nossa sociedade, mas seremos nós que ditaremos o sentido desse papel. Isto é, o computador não pode ser sinónimo de desemprego, desculpa para os nossos erros, mas tem de ser instrumento eficaz para o nosso desenvolvimento, para a melhoria da nossa qualidade vida para nos libertar o pensamento para a resolução da crise, que outros tiveram por mal em fabricar.

A título de exemplo sobre o poder da lnformática em dar respostas às necessidades de uma sociedade gostaria de relembrar o trabalho de Stafford Beer no Chile de Allende. Em menos de dois anos, Beer tomou medidas adequadas sobre 40 por cento da economia, precisamente a dos sectores nacionalizados. E, em Portugal, passado sete, anos sobre as nacionalizações, que temos?

A Informática já atingiu um ponto em que os computadores podem ser usados para prever o que se passará numa empresa ou num pais O controlo de gestão em tempo real é já virtualmente possivel. Mas, ainda não é possivel, pelo menos em Portugal, obrigar os Governos a cumprir as leis, e em particular a Constituição da República ainda em vigor!

CEREBRO - Há um novo poder, para além do político e do económico, o da lnformática? Estaremos nós a utilizá-lo?

HÉLDER COELHO - Eu creio que quem detém informação e conhecimento usufrui de poder. Que poder? Não sei precisar as suas dimensões.

Conhecemos alguns exemplos de veículos de novos poderes: a Comunicação Social, Informação e a Educação. Ultimamente, vieram a público notícias do programa de investigação e desenvolvimento japonês para os computadores de 5ª geração, a realizar até 1990. O objectivo japonês é enunciado de forma clara: o Japão para sobreviver e comprar energia e alimentos necessita de moeda de troca. A resposta japonesa é a produção de conhecimentos, de tecnologia, nomeadamente na área da Informação.

No domínio da Comunicação Social o poder dos grandes monopólios da informação são notados já nos nossos dias quer na rádio, na RTP ou nos jornais. É mais fácil ver as imagens de um evento numa aldeia dos EUA, do que algo que ocorre no nosso país, quer seja em Trás-os-Montes ou no Alentejo. E isto já é possível graças à telemática.

No domínio da Educação, o objectivo de qualquer país é dar a educação a todos, e aproveitar as energias dos novos detentores de conhecimentos. Em Portugal, o princípio consagrado na Constituição não é, cumprido: jovens são afastados do acesso à Universidade, os que têm a sorte de chegar ao fim ficam à espera do novo emprego, como se a resolução da crise nacional não passasse pelo pleno emprego!

Penso que o poder da Informática está hoje intimamente associado ao da Informação. Esta tese será demonstrada ao longo do percurso para a sociedade da informação. Deste modo, o quarto poder conterá a lnformática. Em Portugal, poucos estão cientes do poder da lnformática como alavanca de progresso, ou se o estão decidiram colocá-la na prateleira, tal como o fazem com os licenciados desempregados!

CEREBRO - Irá a Informática provocar uma revolução semelhante à revolução industrial?

HÉLDER COELHO - Estamos em plena segunda revolução industrial. Os computadores deixaram de ser calculadores numéricos e os microprocessadores destruíram a última resistência ao abaixamento do preço da maquinaria (hardware). Os centros de poder bem estabelecidos, como a indústria e os serviços, passaram a ser inundados por computadores, e as guerras entre os pequenos fabricantes desviaram a atenção dos compradores potenciais pelos grandes fabricantes.

Em Janeiro de 1981 existiam 164 890 grandes computadores em todo o mundo sendo 64 por cento de origem americana.

Os EUA detinham só 34,3 por cento desses computadores, e a IBM detinha 42,2 por cento do parque mundial em volume e 53,8 por cento em valor! Em número de unidades instaladas, considerando todas as categorias de computadores (micros, mini, etc.), a IBM estava em quarto lugar (com 174 526), a seguir à Digital Equipment (com 319073), à Tandy (com 270000) e à Commodore (com 197000)! A previsão para 1985 será um parque com 9 568 805, no valor de 309 milhões de dólares. Não será isto uma revolução?

Por outro lado, o chamado CAD/CAM (Projecto Assistido por Computador/Fabrico assistido por Computador) invade as indústrias em ritmo galopante: a venda dos "sistemas com chaves na mão" aumentou de 44 por cento, em 1981, sobre as vendas em 1980. Estes sistemas, suportados por computadores, abarcam o processo global de conceptualização, projecto e fabrico de um produto, recorrendo a sistemas de informação e de apoio à decisão, capazes de suportar o projecto e a simulação, a revisão do projecto, a manipulação dos materiais, a manutenção, o controlo de processos, o controlo de qualidade e o inventário.

O CAD/CAM invade o mercado contribuindo para soluções nas áreas das aplicações mecânicas (incluindo a maquinaria pesada, automóvel, e industriais aeroespaciais), electrónicas, de arquitectura, de engenharia e construções, e de desenho. E, associado ao CAD/CAM, a Robótica avança também em passos largos: a previsão da procura, em 1990, é de 200 mil robôs/ano, para um custo unitário de $10 000!

CEREBRO - Neste contexto como descreve o quadro da implantação da lnformática entre nós? Que perspectivas para a sua evolução?

HÉLDER COELHO - Após os inquéritos realizados em Junho de 1980 pela SEMAP, e em Julho de 1981 pela Norma, é possível esboçar o parque informático português:

Sectores

Nº de unidades

Valor milhões de escudos

Administração pública

126

793

Sector bancário

24

1000

Sector Segurador

22

160

O sector da indústria e serviços, segundo a SEMAP, deve cobrir 60 por cento do valor do parque total, mas desconhece-se o número de unidades. Estima-se que a repartição do valor instalado neste sector esteja distribuída do seguinte modo:

Sector público 18%

Sector privado 17%

Serviços públicos 12%

Serviços de sector privado:

Service bureau 8%

Comércio 5%

Os principais construtores instalados em Portugal estão escalonados segundo o valor instalado, do seguinte modo:

IBM 60%

UNIVAC 11%

CIIHB 9%

NCR e CDC 8%

NIXDFORD 3%

BURROUGHS 3%

ICL + Singer 2,5%

A repartição de computadores, segundo as suas dimensões, é a seguinte:

Pequenos sistemas 60%

Sistemas médios 25%

Grandes sistemas 15%

CEREBRO - É possível quantificar com algum rigor como estão distribuídos os recursos humanos informáticos? Ou, por outras palavras, quantos são é como se distribuem os informáticos em Portugal?

HÉLDER COELHO - Ninguém sabe ao certo o número de informáticos em Portugal, nem a sua qualificação, e nem as suas especializações (exceptua-se a Administração Pública, com 1500 informáticos, dos quais 108 são analistas, 265 programadores e 323 operadores). A formação universitária existente actualmente situa-se quase exclusivamente ao nível das Ciências da computação, o que origina uma escassez de técnicos ao nível da lnformática de gestão, e um desajustamento dos recém licenciados no confronto com as necessidades do mercado de emprego. As empresas prestadoras de serviços de lnformática ainda continuam a ser uma alternativa às necessidades em matéria de formação profissional e isto apesar dos esforços recentes do INA.

CEREBRO - E no domínio dos sectores? Como é que se está a, evoluir e de que maneira se comporta esse quadro no conjunto das diferentes componentes?

HÉLDER COELHO - Apesar dos dois últimos inquéritos, e à falta de um inquérito nacional a lançar pelo INE (o último data de 1971), os dados são exíguos para o conhecimento global dos meios humanos e materiais que descrevem o poder computacional português. Assim, qualquer perspectiva sobre a sua evolução não vai além de pura especulação. O bom senso aponta para um forte crescimento do parque de microcomputadores, para uma estabilização dos sistemas médios e para um ligeiro aumento dos grandes sistemas.

No que respeita aos sectores, é fácil de prever um aumento de equipamentos na Administração Central e Local (o peso da Administração no parque informático é menor de 12%, enquanto a média européia é de 25%), no sector público e no sector industrial. Assiste-se presentemente ao equipamento informático das Universidades, e existem indícios seguros que estamos perto da construção de uma rede nacional de transmissão de dados pelos CTT/TLP.

As áreas de aplicação da lnformática irão diversificar-se e especializar-se. Penso que a fase primeira da mecanização, isto é, da automatização das grandes rotinas, está a ser atingida, e que começam a ser dados passos importantes em Portugal na sofisticação do recurso à Informática. E, mesmo na área predominante da lnformática nas organizações, estão a verificar-se modificações que atestam a alta qualificação de alguns dos nossos informáticos. Deste modo, existe já convicção de que os computadores são calculadores simbólicos, de que as informações podem ser estruturadas e organizadas, e de que os dados não são apenas números.

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E, por outro lado os gestores começam a ter consciência de que é possível tomar melhores decisões se dispuserem de sistemas integrados de informação. O controlo da gestão em tempo real já é possível projectar um sistema empresarial, de forma que como um todo ele imite as operações probabilísticas do cérebro humano!

Falar em sistemas integrados de informação ou em sistemas de apoio à decisão nas organizações é apenas citar uma das áreas de aplicação da lnformática a médio prazo em Portugal. Tais sistemas também penetrarão nos gabinetes das profissões liberais, quer sejam advogados, arquitectos ou engenheiros civis. Aqui também será de realçar a área do projecto assistido por computador, e a importância da computação gráfica. Nas fábricas espera-se que a automação e controlo de processos aumente, e que a robótica comece a ser, gradualmente aplicada, pelo menos nas industrias viradas para a exportação.

Quanto à burótica (automatização dos escritórios) e à telemática prevejo maiores dificuldades para a sua aplicação pois dependem de uma certa mudança de mentalidade e de hábitos, os quais resultam da educação e da experimentação. Nesta área, a Microinformática vai ter um papel crucial e o seu desenvolvimento em Portugal será portanto benéfico.

CEREBRO - Qual a contribuição da lnformática para o avanço das Ciências, o contributo destas para o enriquecimento daquela?

HÉLDER COELHO - A lnformática é uma disciplina científica bastante recente, cujo progresso tem acompanhado de perto o avanço da Electrónica. Daí que haja uma certa analogia entre as designadas gerações dos computadores e as gerações dos dispositivos electrónicos.

O primeiro computador electrónico, ENIAC, apareceu em 1946 nos EUA, devido aos esforços de Eckert e Mauchly, motivados por necessidades do aparelho militar, empenhado em criar processos sofisticados para o cálculo balística. Mas, só em 1950 apareceu o computador que iria servir de modelo para a arquitectura consagrada aos nossos dias: a máquina de von Neumann.

Nestes 36 anos têm sido muitas as disciplinas técnico-científicas que se cruzaram na história da lnformática, quer como suportes para o seu avanço, quer como campos para as suas aplicações de eleição. A árvore de categorias bibliográficas, adoptada pela associação norte-americana ACM (Association of Computing Machineris) é disso testemunha.

Mas uma resposta completa à sua pergunta constituiria decerto um lívro. Por isso, escolherei o conceito de gramática e o contributo de uma ciência contemporânea da lnformática - a Inteligência Artificial - para exemplificar o que poderia ser essa resposta.

A ideia de uma gramática é um conceito natural e tradicional, formalizado originalmente pelos linguistas, na sua procura de uma descrição estrutural adequada às frases de uma língua natural. A gramática (colecção de regras) específica, por exemplo, a construção de frases (que cadeias de palavras ou símbolos são frases legais de uma linguagem) e as relações entre as unidades linguísticas (o resultado da análise da frase é uma estrutura que explícita o significado da frase).

O conceito de gramática começou a ser trabalhado por Tue, em 1914, quando investigava as regras de reescrita ou produções. Mas foi Post que, por volta de 1936, forneceu uma base matemática e formal para estas descrições, sintetizando a sua ideia no seguinte enunciado: "As construções legais ou teoremas de uma linguagem formal devem ser concebidas como cadeias de símbolos, e existem produções que actuam como regras de ingerência (regras de reescrita) para gerarem novas cadeias, a partir das velhas". Post considerava que a Matemática podia ser considerada como um processo de manipulação de signos, sendo um teorema apenas uma cadeia de símbolo. De acordo com esta ideia, Post desenvolveu sistemas canónicos, os quais permitiam a substituição, concatenação e combinação de símbolos (operações essenciais da Informática).

Por volta de 1956, Chowsky aplicou a ideia de Post às línguas naturais com o objectivo, de dar pela primeira vez uma descrição precisa e matemática de pelo menos uma parte da linguística. Reintroduziu o conceito de gramática e de linguagem, e discutiu os processos de geração e análise de frases (processos essenciais em lnformática).

A vida normal de Chowsky, embora dirigida para a construção de um suporte formal para a discussão das fundações da linguística, excitou o interesse dos cientistas da lnformática, e em especial dos escritores de compiladores, interpretadores e outros tradutores de linguagem de programação. O conceito de gramática começou assim a ser profusamente utilizado na descrição das linguagens de programação e na definição estrutural dos programas.

No que respeita às contribuições da Inteligência Artificial para a lnformática há que destacar os trabalhos sobre os fundamentos da representação do conhecimento, os esquemas de inferência e as estruturas de controlo, os quais foram sendo adquiridos na definição de linguagens de programação mais poderosas.

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Em particular, da construção de diversas linguagens de Programação de muito alto nível resultaram novos instrumentos para a programação, permitindo uma escrita mais declarativa e menos imperativa, a expressão e a manipulação de descrições de processos e objectos, e as especificações de comportamentos.

CEREBRO - Que modificações se prevêem no ensino com a banalizarão do computador? Entende que existe de facto um risco de despersonalização desse ensino? Como analisa a problemática envolvente?

HÉLDER COELHO - Nos países desenvolvidos, o computador faz parte do quotidiano das escolas, funcionando como professor, fonte de consultas e avaliador de testes e provas. Mesmo no Brasil, um projecto pioneiro está em funcionamento desde 1978 permitindo o ensino de três disciplinas a estudantes de engenharia: resistência dos materiais, cálculo numérico e resistência dos materiais.

Em geral, no EAC (Ensino Assistido por computador) o objectivo é pesquisar novos métodos de ensino, através do recurso ao computador como aparelho experimental. Não se trata de substituir o professor, mas sim de criar um auxiliar de ensino. A função do aluno é sentar-se diante do teclado do terminal, fazer perguntas e respondê-las. O aluno pode pedir à máquina que ela forneça a percentagem de erros no fim da lição.

O uso do computador individualiza o processo de aprendizagem, e não massifica o aluno. Pelo contrário, este pode receber maior atenção que numa saia. Ao invés de correr riscos de dispersão numa saia com outros colegas, e de não ter tempo de ser devidamente atendido pelo professor, o aluno ao consultar o computador, tem a atenção do "professor" pelo tempo que desejar. O professor pode também aperfeiçoar-se e tem no terminal uma listagem com todos os seus alunos, assim Como os dados sobre como eles estão utilizando a máquina para a avaliação da interacção utilizador/máquina. Aos professores restará mais tempo de planeamento, o que poderá melhorar o nível do ensino.

O EAC não é uma outra aplicação do computador, pois tem o potencial para agitar todo o sistema escolar e revolucionar a educação. As experiências já realizadas demonstraram que os computadores são factores de sucesso nas saias de aula, porque inspiram nos alunos níveis muito altos de motivação.

CEREBRO - Se tivesse de implementar uma política de informática em Portugal a que vectores obedeceria? Que rumos escolheria?

HÉLDER COELHO - Qualquer política de lnformática para ser exequível em Portugal tem de considerar os seguintes traços actuais da nossa situação económica:

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a) A formação é insuficiente, sendo suportada Pelas empresas prestadoras de serviços de lnformática; a formação universitária existente é insuficiente e está desajustada do nosso meio.

b) Os informáticos necessitam de uma ampla reciclagem, que lhes permita ver além dos materiais que estão utilizando.

c) O planeamento informático (ao nível do Plano Director) ainda não é sentido e desejado.

d) Faz falta um organismo orientador, capaz de lançar referenciais e normalizar o que não tem regras.

e) A dependência tecnológica é um facto político, isto é, a progressiva substituição de importações não depende dos informáticos; mas do conceito de independência nacional do governo em exercício.

f) A criação de industriais na área das tecnoiogias da informação depende de investimento e crédito, os quais abundam em Portugal, mas não são usados por miopia política (note-se os níveis de liquidez da banca, e a falta de iniciativa da "iniciativa privada"!).

Uma política de Informática deve cobrir todos os sectores, e não se limitar apenas à Administração Pública. Daí, a necessidade de criação de uma Secretaria de Estado para a lnformática (veja-se o caso do Brasil), que seja capaz de coordenar os meios humanos e materiais já existentes, e de disciplinar os construtores instalados em Portugal.

Deste modo defendo as três linhas de força:

1º) Formação de recursos humanos especializados, nomeadamente nas áreas de metodologias de programação, teleprocessamento, hardware distribuído, microcomputadores, controlo de processos, planeamento da produção, robótica e projecto assistido por computador.

2º) Estabelecimento de planos directores de informáticos para os vários sectores da vida nacional.

3º) Estruturação de uma indústria nacional de software assente na normalização funções, de procedimentos e das comunicações com os utilizadores e no desenvolvimento de novos instrumentos informáticos, e virada para o software básico (compiladores, interpretadores e outras utilitários), de apoio (bases de dados, monitores de teleprocessamento, bibliotecas e optimizadores) e de aplicações (comerciais, científicas e genéricas).

E para realizar estas linhas de força defendo os seguintes "expedientes":

A) Criação de uma Secretaria de Estado, para normalizar (colocar no estado normal) a situação da informática portuguesa.

B) Criação de Institutos que estabelecem interfaces entre as Universidades e os sectores produtivos e de serviços, e que promovam contratos sobre projectos concretos.

C) Aumento significativo da fatia do Orçamento Geral do Estado para a Educação e para as actividades de Investigação e Desenvolvimento.

D) Exploração dos acordos de cooperação técnico-científicos que Portugal possui com um leque muito extenso de países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento.

CEREBRO - Haverá de facto um novo grupo social - o dos informáticos? Concorda com quantos entendem que a lnformática é algo "transcendenteā€

HÉLDER COELHO - Penso que não há qualquer grupo social à parte intitulado "informáticos". Mas, estou de acordo consigo que os informáticos, como outros técnicos, têm a tendência para se tornarem inacessíveis ao grande público. É minha convicção que tal acontece sempre que esses técnicos se apropriem de um espírito "corporativista", isto é se convencem que sem eles a organização parará. Ora, esta ideia é tola porque a lnformática, e o seu instrumento principal, o computador, podem ser dispensável!

As reconversões provocados pela introdução da lnformática por exemplo na Administração Pública, vem demonstrando que não é difícil a adaptação e que na maioria dos casos os trabalhadores a fazem com facilidade.

CEREBRO - Vai realizar-se este mês o II Congresso Português de lnformática, promovido pela API. Tendo em consideração a experiência do primeiro, como analisa o conteúdo programátlco da segunda reunião?

HÉLDER COELHO - O tema do CPI 82, "A Informática, os utilizadores; a evolução, a expectactiva", é tão vasto que cobre tudo e todos! O argumento evocado quando do seu lançamento indicava que tal tema atrairia um maior interesse e participação por parte dos informáticos portugueses, e em particular daqueles que sistematicamente não relatavam os resultados dos seus trabalhos e experiências. Hoje é possível afirmar que tal objectivo não foi alcançado, pois o aumento de cerca de l 0 por cento em comunicações em relação ao CPI 80 não é significativo, na medida em que na sua grande maioria elas continuam a sair dos sectores minoritários. Os sectores dominantes - Banca, Seguros, Serviços e Administração Pública - continuam a prestar pouca atenção ao CPI. De realçar apenas o aparecimento de comunicações de cidades alem de Lisboa, Porto e Coimbra. Um tal facto é por si positivo, mas não justifica o largo espectro temático (o que é um utilizador em 1982?).

CEREBRO - O governo acaba de aprovar no Conselho de Ministros uma proposta de lei sobre a lnformática e a protecção da vida privada. Como cientista e investigador, estudioso atento de todos os problemas que envolvem a aplicação da lnformática, considera que existe um verdadeiro risco para a privacidade do cidadão resultante da integrarão de ficheiros?

HÉLDER COELHO - É evidente que o risco já existia mesmo na ausência de uma lei ordinária. Um governo que desrespeita as leis, que se comporta perante a Nação como no dia 12 de Fevereiro, durante a histórica greve geral, perante a Assembleia da República como no dia 24 de Março, durante a apresentação quer na RDP ou RTP, é capaz de tudo. Pelo menos vergonha não tem. Democrático não é!

Estou de acordo com o que a dra. Isabel Garcia vem defendendo na discussão das propostas do PPD e da ASDI (veja-se "Revista de Informática" vol. 2, nº 4). O artigo 35º da nossa Constítuição, ainda em vigor, é claro e não precisa de outros dispositivos legais que o reprimam ou anulem. Deste modo, penso que a nova lei põe de facto em risco a privacidade do cidadão, embora enuncia defendê-la: a violação passará a ter cobertura legal!

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