ENTREVISTA

Volume 2, Nº 3 Julho/Setembro de 1981

A Revista de Informática entrevistou Fernandes de Almeida:

A INFORMATICA PORTUGUESA

NA DÉCADA DE 80

Fernandes Almeida (QUIMlGAL. EP)

Q1 - Quais são para si os traços fundamentais que caracterizam a lnformática ao nível internacional?

R1 - Sob pena de criação de uma imagem fictícia, por extrema generalização, e de padrões totalmente desvirtuados não podemos considerar a Informática ao nível internacional como um todo homogéneo e ainda menos deveremos considerar a dicotomia tradicional do: «nós cá... e lá fora».

Os estádios de desenvolvimento de aplicação da Informática variam de país para país e, dentro de um mesmo país de região para região e considerando a distribuição por actividades, ao invés da geográfica, o panorama é idêntico.

É certo que poderemos considerar um pólo de irradiação a partir dos USA onde tem a sua sede a quase totalidade das construtoras de computadores; a Europa, seguindo-se-lhes na peugada, apresenta uma situação bastante diversificada.

Poderemos, no entanto, considerar que as tendências da informática «de ponta» se caracterizam pela miniaturização e banalização do hardware, pelo recurso às telecomunicações e pelo desenvolvimento de software mais potente e flexível. Esta evolução conduzirá a uma situação, em objectivo, que classificamos de utilização corrente da informática em todas as actividades, quer Estatais e Empresariais, quer humanas.

Esta transformação irá provocar, ao longo dos tempos, uma modificação de hábitos e relações que provocarão alterações profundas nos sistemas sociais, tal como os conhecemos hoje.

Q2 - Quais são desses traços os que perduram na Informática portuguesa?

R2 - Em Portugal a aplicação da Informática tem sido dominada, fundamentalmente, pela política comercial dos grandes construtores de computadores que aqui operam e seguiu uma linha de implementação em «grandes» Empresas e em Centros de Cálculo directa ou indirectamente ligados a Departamentos Estatais, quer da administração pública quer do ensino superior.

Nos finais da década de sessenta, com a introdução no mercado de pequenos computadores com ficha de cartolina magnetizada (tarja magnética) as «pequenas» e «médias» empresas adoptaram, rapidamente, procedimentos administrativo/constabilísticos automatizados entrando assim no «clube da informatização».

Actualmente verifica-se de novo, uma «explosão» de instalações dos, comercialmente designados, nini-computadores e micro-computadores, de que proliferam marcas e modelos de fabrico estrangeiro, em empresas de «pequena» e «média» dimensão.

Esta evolução conduziu à existência de uma amostra, em tamanho reduzido, que compreende quase todas as possibilidades de aplicação da informática em que algumas soluções foram realizadas de modo assaz original.

Q3 - Acha que a Informática em Portugal atingiu um estádio de desenvolvimento que requeira a sua organização? Aponte as razões e os factos que justifiquem a sua posição.

R3 - Não detendo a tecnologia de fabrico de componentes electrónicos, essencial para a construção de computadores, e limitando-se a actividade industrial à montagem, actividade esta sob a égide de empresas estrangeiras, Portugal é, essencialmente, um país consumidor.

Poder-se-á considerar que, para consumo interno, se tem produzido Software de aplicação mas, devido às características peculiares das empresas portuguesas, de um modo empírico e individualizado.

Não faz sentido, neste contexto, pensar-se na organização da Informática em Portugal mas, outrosim, na organização para a utilização da Informática. Poderá visualizar-se uma organização do tipo consumidor, tanto para Hardware como para Software.

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ENTREVISTA

No entanto, o tradicional, espírito criativo portugues poderia dar origem à existência de uma indústria nacional para produção de Software de aplicação mas, a também tradicional ausência de normalização (o plano oficial de contabilidade só há pouco tempo foi criado) predispõe a uma dispersão de esforços.

Quanto ao Hardware, parece-nos possível realizar a actividade de montagem quer sob licença quer sob outra forma de associação com empresas construtoras estrangeiras.

Qualquer realização, dos tipos referidos, necessita de vontade, planificação e perseverança, requisitos estes contrários ao nosso tradicional entusiasmo e impaciência para obtenção dos resultados.

Q4-Quais são em seu entender os vectores prioritários que deveriam nortear a evolução da Informática em Portugal? E quais as medidas políticas que os deveriam apoiar?

R4 - A dispersão de esforços existente conduziu a situações incompletas de regulamentação da Informática em Portugal; como exemplo apenas dois casos:

1 - A Constituição da República determina princípios a observar quanto às liberdades individuais na aplicação da informática, no entanto, a actividade informática não está regulamentada.

2 - O Decreto-Lei n." 110-A/80 define e regulamenta, funções informáticas, carreiras e a formação sumária para os técnicos da Administração Pública, no entanto, não existem escolas que ministrem a formação regulamentada.

A inexistência de legislação sobre matéria de informática poderá conduzir num futuro a situações totalmente descontroladas mas, por outro lado uma legislação demasiado pormenorizada poderá travar o crescimento da sua aplicação.

Parece-nos fundamental e imperiosamente necessária, a definição de linhas de orientação globais e a existência de um plano esquelético de desenvolvimento nomeadamente no domínio das telecomunicações aplicado à informática. A formação dos técnicos tem sido realizada a partir da «formação» ministrada pelos construtores e, pequenas experiências ao nível do ensino secundário nada têm produzido.

Nos estabelecimeintos de Ensino Superior a informática tem sido ministrada como matéria acessória de outros curricula e apenas num se realizam licenciaturas específicas; a recente criação de um Instituto de post-graduação não permite ainda avaliar quaisquer resultados.

A carência de técnicos qualificados produz variações bruscas e oscilações no mercado de trabalho e só a criação de Escolas Profissionalizantes poderá, não só garantir a continuidade do futuro da aplicação da informática em condições de correcta utilização, como o amortecimento daquelas oscilações.

Q5 - Qual a sua opinião sobre a actual relação entre as empresas de serviço e as universidades/laboratórios de investigação? Que propostas concretas sugere para o seu melhoramento?

R5 - O divórcio tradicional entre universidades e empresas transpõe-se para a actividade Informática.

As poucas relações, existentes baseiam-se apenas nas relações individuais na maioria dos casos estabelecidas através da Associação Profissional existente.

A única forma de estabelecer a relação de um modo mais formal será o estabelecimento de diálogo entre as partes, não um diálogo disjunto mas em interpenetração empresa/universidade.

A universidade poderá beneficiar da experiência adquirida na Empresa e aquela poderá transmitir a esta os seus conhecimentos, não de uma forma didáctica mas numa real prestação de trabalhos em processos de investigação. Para que esta actuação seja possível é necessário modificar não só certos mecanismos legais como certos ressentimentos existentes de parte a parte.

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