Revista Cérebro número 5 de Outubro/Novembro de 1982

LUÍS MONIZ PEREIRA À «CÉREBRO»:

"É PRECISO QUE O MINISTERIO DA EDUCAÇÃO INVISTA NO PAÍS

O QUE POUPA EM BOLSAS NO ESTRANGEIRO"

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Compensar os recursos ridículos atribuídos à investigação

Prof. Moniz Pereira, da U. N. L.

O que tem sido a actividade da Universidade Nova de Lisboa? Que futuro está reservado aos doutorados em Informática quando se sabe que, em algumas áreas, já se deixou de recorrer ao estrangeiro? O Prof. Moniz Pereira, da Universidade Nova de Lisboa, em entrevista ao CÉREBRO lança um apelo: que o Ministério da Educação aplique no país grande parte do que está a economizar em bolsas no estrangeiro. Até porque não só o doutorado no estrangeiro se sente tentado a não voltar, como o doutorado no país é tentado a emigrar, uma vez que não lhe sejam dadas condições mínimas de fixação.

Cérebro - Que pensa do ensino da Informática em Portugal? Como entende que esse ensino deveria estar estruturado?

Moniz Pereira - Sucintamente, há falta de mais, e melhor ensino e formação, a todos os níveis. A primeira revolução industrial trouxe a mecanização da produção e utilização controlada da energia. A segunda revolução, em curso, ultrapassa largamente o âmbito industrial e traz-nos a automatizacão do tratamento do símbolo, através da informática, e mesmo uma nova visão do Mundo.

O seu vasto escopo exige medidas condizentes, porque as penalidades de as não efectivar se medem nessa mesma escala.

No ensino secundário, a informática deverá ser uma componente importante da nova concepção semi-profissionalizante que dele tem o Ministério da Educação. Mas para além da sua utilidade profissional, a informática pode fornecer, com rendimento, uma importante componente formativa. A actividade de conceber um programa, utilizar a ferramenta que é o computador para executar, reformular o programa de acordo com os erros verificados, voltar a testar, consultar os manuais e os colegas para o fazer, contém, em síntese, a

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essência da metodologia científica e tecnológica. E hoje em dia há equipamento barato com várias linguagens de programação, inclusive linguagem Prolog (programação em Lógica) mais fácil de aprender e utilizar.

Na verdade, essa linguagem tem sido ministrada com grande sucesso em escolas secundárias inglesas, onde acaba de sair um livro com o respectivo curso que deveria ser imediatamente traduzido. Tanto quanto sei, a informática existe actualmente apenas em três escolas secundárias em todo o país, como opção vocacional.

AUMENTAR OS LICENCIADOS EM INFORMÁTICA

P. E no domínio do ensino superior, como concebe a melhoria do existente?

R. Quanto ao ensino superior, o próprio ministro da Educação, em entrevista recente a TV Repórter, apontou a necessidade de aumentar os licenciados em informática. Actualmente, apenas a Universidade Nova de Lisboa outorga licenciaturas em Informática, ministrando dois anos intensivos de matérias especializadas a alunos com o 3o. ano de um curso superior adequado. Presentemente, encontra-se no Ministério da Educação para aprovação uma proposta de licenciatura em cinco anos para se iniciar em 83/84, na UNL. O respectivo currículo foi submetido por uma comissão compreendendo um representante da Associação Portuguesa de Informática, um da Direcção Geral da Organização Administrativa, dois professores da UNL, e um professor de outra Universidade.

Utilizaram para tanto: um estudo sobre a situação e as necessidades informáticas na Administração Pública, feito pela DGOA, análise de mercado e uma estatística dos perfis profissionais executado pela API, um plano curricular com indicação de objectivos e necessidades previsíveis do mercado de trabalho realizado pela Universidade de Coimbra, e um projecto e plano curricular de uma licenciatura em cinco anos da autoria da UNL.

A proposta, enviada ao ME, inclui todos os aspectos da informática, contemplando nomeadamente, para além de uma formação superior de base, as áreas fundamentais da Programação, Bases de Dados, Gestão de Projectos, Arquitectura de Computadores, Sistemas de Exploração, Métodos Estatísticos Numéricos e de Simulação, Métodos de Organização e Gestão, e Inteligência Artificial.

É instituído um sistema de créditos que permite maior versatilidade de especializações, mesmo dentro de cada uma das três grandes opções previstas: gestão, software fundamental, e hardware.

P. Não quererá significar que tal licenciatura vai esgotar as necessidades apontadas...

R. Claro que não, do mesmo modo, que uma licenciatura em matemática aplicada não substitui o ensino da Matemática aos engenheiros, economistas, físicos, arquitectos, etc. As Licenciaturas deverão fornecer as bases para o diálogo com o informático, tal como este deverá ter as bases para o diálogo com aqueles.

Assim o informático, para além das possíveis especializações, deveria ter, antes do mais, uma sólida formação nuclear que lhe garantisse a versatilidade (espacial) por áreas de aplicação e dentro da mesma área, e (temporal) de acompanhamento do progresso num domínio em tão rápida mutação e com cada vez menos compartimentos estanques.

Resta-nos esperar que o ME providencie, em tempo, as condições materiais (espaço, grande computador) e de contratação de docentes para um número clausus correspondente às necessidades do país.

Mas a formação informática extravasa o figurino da licenciatura, e a Universidade, em particular a UNL tem promovido cursos intensivos abertos a todos os profissionais, de colaboração com outros organismos. O recentemente criado Gabinete de Relações Exteriores da sua Faculdade de Ciência e Tecnologia espera vir a proporcionar encontros entre os utentes da informática (gestores, industriais, empresas e software, etc.) e o corpo docente, com vista à identificação das suas necessidades de formação, sensibilizá-los para as técnicas informáticas novas, e propor uma eventual prestação de serviços por parte da UNL.

Finalmente interessa referir o ensino pós-graduado. Embora outras Universidades tenham já iniciado mestrados nesta área, eles visam sobretudo especializar-se em informática quem já tem uma formaçso de base diferente. Interessa agora realizar também um mestrado em informática mas para informáticos, que responda às necessidades de especialização dos licenciados, às necessidades de preparação de docentes do país, e às necessidades da investigação como motor da inovação tecnológica. Na UNL está em estudo um tal mestrado, que poderá vir a começar em 83/84.

P. E os doutoramentos? Continua ou não a existir a propensão para se encontrar no estrangeiro soluções que poderiam ser encontradas entre nós?

R. Quanto aos doutoramentos em informática, deixou já de ser necessário, em algumas áreas, recorrer ao estrangeiro. No entanto, é preciso que o Ministério da Educação invista no país grande parte do que poupa em bolsas no estrangeiro. Até porque não só o doutorado no estrangeiro se sente tentado a não voltar, como o doutorado no país é tentado a emigrar, uma vez que lhe não sejam dadas as condições mínimas de fixação. Perde-se pois muito mais do que aquilo que se julga poupar. É como se estivéssemos a subsidiar Universidades e indústria estrangeiras, a quem vamos depois comprar a tecnologia que ajudámos a produzir, sem vantagem de preços. É preciso modificar e compensar os recursos ridículos, atribuídos à investigação universitária, bem como promover os quadros de investigadores.

É também preciso um regime de bolsas para doutoramento no país, com pagamento de propinas à Universidade, e não apenas o regime de equiparação a bolseiro, que pressupõe que o doutorando já tem um lugar de assistente. Entre o país e o estrangeiro, encontram-se em estado avançado de conclusão seis doutoramentos em informática na UNL ou de assistentes da U N L.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E MATURIDADE PRAGMÁTICA

P. Como tem decorrido a actividade do Núcleo de Inteligência Artificial da UNL?

R. Além de mim, fazem parte desse núcleo os doutorandos Eng.os António Porto, Eugénio Oliveira e Miguel Filgueiras, e, até há pouco tempo, Paul Sabatier cooperante francês.

A Inteligência Artificial, como sabe, é o emprego de programas e computadores (e outros artefactos artificiais) para descobrir, inventar e utilizar, de forma sistematizada, os princípios da inteligência geral (e os da inteligência humana ou natural em particular). A nossa actividade tem-se repartido entre a investigação fundamental e a prestação de serviços, articulando as duas. Temos conseguido realizar serviços que utilizam em parte a investigação fundamental que levamos a cabo, em particular sobre a comunicação em Português com o computador, sobre os sistemas periciais ("Expert Systems") e acerca das estratégias de controlo de programas lógicos.

Esta articulação permite também aos doutorandos trabalhar em projectos concretos avançados, bem como obter as fontes de financiamento indispensáveis à investigação (uma vez que o Ministério não cumpre cada vez mais as

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suas responsabilidades neste domínio). Em dois anos, o núcleo obteve contratos no valor de 7.200 contos. Mas isso não significa que fazemos trabalhos correntes como prestação de serviços – esses devem ser deixados às empresas de software.

Pensamos que o principal objectivo da prestação de serviços pela Universidade deve ser o de realizar aquilo que passou a ser tecnologicamente possível, para que outros comecem também a fazê-lo.

  1. Que conclusão retira da actividade que tem estado a referir?

R. As realizações apontadas demonstram que a Inteligência Artificial atingiu já um estado de maturidade pragmática que permite aplicar o investimento em investigação às necessidades quotidianas. Uma prova disso é também a recente escolha feita pela indústria de computadores japonesa (liderada pelo respectivo Ministério), duma linguagem desenvolvida pela Inteligência Artificial – o Prolog – como base quer da arquitectura quer do software dos seus computadores de 5ª geração. É aliás a linguagem com que tratamos, e em que investigamos, desde há 8 anos. Basta dizer que o nosso núcleo edita a única publicação internacional sobre o assunto – a "Logic Programming Newsletter", com 500 subscritores, e que o próximo Workshop da especialidade se realizará em Portugal, no verão.

A substância dos projectos realizados encontra-se nas nossas comunicações ao 2º Congresso Português de Informática. Sucintamente, realizámos um sistema pericial para a avaliação dos recursos biofísicos do território, para o Serviço de Estudos da Secretaria de Estado do Ambiente, e realizámos um sistema de apoio ao planeamento da investigação científica e tecnológica face aos objectivos económicas, para a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica.

P. Que "autonomia" possuem esses sistemas?

R. Qualquer destes sistemas é interrogável em Português, mercê da programação de uma complexa gramática, que pode ser aplicada a vários domínios com poucas modificações. Basicamente, estes sistemas aceitam uma pergunta em Português, transformam-na numa expressão lógica, e iniciam uma série de deduções, ou raciocínios encadeados, que permitem responder-lhe. Mas não se limitam a apresentar o resultado – explicam todo o raciocínio efectuado. Além disso, são capazes de assimilar novos conhecimentos, sob a forma de regras de raciocínio, sem necessitarem de ser reprogramados. Assim, o utilizador normal pode fazê-lo evoluir com a evolução do conhecimento especializado que possui.

P. Tem circulado a notícia de que o Núcleo de IA prepara um importante contrato com uma empresa de equipamento...

R. É verdade. Estamos a negociar um contrato com a Digital Equipment Corporation (DEC) e a Stanford Research Internacional (SRI) para a transformação dos computadores VAX num sistema completo Prolog, através da sua micro-programação, do acesso ao sistema de exploração de dentro do Prolog, e da realização de utilitários integrados na linguagem.

Só é pena que o Ministério da Educação e das Universidades não nos proporcione os meios para fazermos muito mais, e rentabilizar assim o investimento que é feito na nossa educação.

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