ENTREVISTA

Volume 2, Nº 2 Abril/Junho 1981

a revista de informática entrevistou Raul Verde:

DA MECANOGRAFIA

À INFORMATICA

EM PORTUGAL


Raul Verde (TAP)

Ql - A Informática portuguesa tem uma história. Pouco se sabe dela, e muito pouco foi escrito até agora. Quais são na sua opinião, as motivações e os marcos mais importantes na introdução da mecanografia, e depois, da Informática, em Portugal?

Rl - É difícil para qualquer cidadão estar a par da história da Informática do País. Por um lado, porque as estatísticas são deficientes, quando não inexistentes. Por outro lado e sendo benévolos, diremos apenas que os fornecedores de computadores não estão minimamente interessados em divulgar os computadores instalados ou mesmo dar a conhecer os respectivos clientes. Apenas podemos referir alguns factos que são do nosso conhecimento. Assim, um dos primeiros computadores instalados foi o «Stantec Zebra»;, em 1957, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Mais tarde seria substituído pelo National-Elliot 803-B.

Em 1961, foi instalado o primeiro National-Elliot 803-B, no Banco Pinto de Magalhães. Por sinal, tratava-se de um computador essencialmente científico, aplicado a sistemas de tipo comercial (ou de gestão, como hoje parece preferir-se dizer). Por esta época sabemos terem sido instalados computadores de diversos tipos e fabricantes, nomeadamente: o IBM 1401, talvez o computador da segunda geração de maior expansão mundial; o IBM 1620, instalado no Centro de Cálculo Científico da Fundação Gulbenkian; os minicomputadores NCR 390 e IBM 6400; os Gamma 10 da Bull; os UNIVAC 1005; o NCR-315 na CUF. Pouco depois entrou-se na terceira geraçao de computadores, com a divulgação das séries IBM 360 e UNIVAC 9000.

No que respeita à mecanografia, entendida como a utilização dos sistemas convencionais de cartões, não estamos bem ao corrente das instalações efectuadas, porquanto a nossa entrada foi feita directamente das telecomunicações para os computadores, tendo completado recentemente 20 anos desta actividade.

Em nossa opinião, os três marcos importantes da introdução da informática em Portugal ocorreram com: a introdução da terceira geração de computadores; a divulgação dos minicomputadores; o arranque recente dos sistemas conversacionais e em tempo-real.

Para finalizar, diremos que actualmente as motivações da introdução e divulgação da informática são de natureza essencialmente económica. Isto não impediu que, em certa época e particularmente no ramo bancário, existisse uma motivação que poderia designar-se «de prestígio». Os banqueiros de cada grupo decidiam adquirir computadores de porte maior do que os seus colegas concorrentes. E, por sinal, em regra decidiam mal, por razões que se compreendem e podem ser facilmente explicados.

Q2 - Portugal não é por tradição um país muito receptivo a novas actividades. Na sua opinião a implantação da Informática em Portugal foi difícil? Excessivamente tardia'? Justifique.

R2 - Em primeiro lugar, toma-se oportuno referir que não concordamos com a afirmação de que não somos «UM país muito receptivo a novas actividades». Pelo contrário, considero que somos excessivamente influenciáveis pelo estrangeiro, particularmente pela França, onde é conhecida uma espécie de colonização cultural, que vai desde os assuntos constitucionais até à informática, passando ainda por vários outros aspectos da vida corrente.

Se por introdução da informática se pretende definir a aquisição e instalação de computadores, diremos que o processo não foi muito difícil. Em certas épocas e em diversos casos a aquisição de um computador ou de um minicomputador não foi mais difícil do que a compra de um automóvel. E os vendedores - alguns vendedores também os vendiam com demasiada irresponsabilidade. Este facto, talvez em menor escala, ainda hoje sucede, segundo a opinião de díversos informáticos que conhecemos.

REVISTA DE INFORMÁTICA Vol. 2, Nº 2 25

ENTREVISTA

Se, pelo contrário, se pretendem definir os aspectos «software» do processo, então diremos que a implantação da informática em Portugal foi difícil. Neste aspecto, ainda assim acontece. O estudo, desenvolvimento e implantação de sistemas informáticos eficazes constitui uma dificuldade de vulto. Basicamente, por deficiente, incompleta ou atrasada formação nas técnicas requeridos. De entre as quais se salientam os aspectos relacionados com as metodologias, padrões e funções gestionárias. Não consideramos que a implantação da informática em Portugal tenha sido tardia. Consideramos, sim, que foi feita de forma deficiente, sem formação adequada dos especialistas e, sobretudo, porque os gestores no comando das operações também não se revelaram à altura que o assunto mereceria. Com estes defeitos à partida, e outros poderiam ser invocados, não será fácil recuperar o atraso para alcançar os nossos futuros parceiros europeus. A menos que imediatamente se tomem medidas adequadas e eficazes, o que duvidamos venha a acontecer a curto prazo.

Q3 - Acha que o processo de infortnatização tem sido sempre constante? Ou, pelo contrário, pensa que em dados momentos foram feitos saltos em frente que romperam com uma dada conjuntura?

R3 - Entendemos que o processo de informatização não sendo revolucionário, também não foi rigorosamente estático, sobretudo no capítulo «hardware». Alguns aspectos já citados: introdução da terceira geração, minicomputadores, etc., motivaram alguns dos avanços significativos. E em breve existirá um outro, com a divulgação mais generalizada dos microcomputadores.

Pelo contrário, no domínio «software» a evolução é muito mais lenta, particularmente porque quer a formação informática de alto nível, quer a criatividade dos especialistas não abundam entre os nossos informáticos. E quando, eventualmente tal acontece, logo aparecem gestores incapazes, ou utentes apressados, ou colegas inconvenientes a cancelarem tais propriedades positivas.

Consideramos que os avanços mais significativos têm ocorrido mais na base da «carolice» de uns tantos do que através de uma acção devidamente planeada e profissionalizada da classe. Muito embora, como acontece com qualquer grupo profissional, não seja de esperar uma contribuição relevante e significativa da totalidade dos informáticos, ao que nos consta atingindo já cerca de 16 000 profissionais de todas as categorias.

Só que entendemos serem reduzidas as acções desenvolvidas com verdadeiro profissionalismo e muito mais avultadas as exercidos de forma amadorística ou puramente teórica ou poética. Embora neste caso também haja algumas desculpas, de entre as quais se pode citar a excessiva pressão de trabalho que é exercida sobre grande número de informáticos. Todavia, consideramos que um avanço relevante neste domínio só acontecerá quando se conjugarem acções significativas do tipo seguinte: forrnação adequada e coerente, eliminação das «capelinhas» existentes, redução do individualismo e da indisciplina dos informáticos. Por outras palavras, quando os informáticos assumirem globalmente uma acção devidamente profissionalizada, pragmática e atendendo à função essencialmente económica de produção da informação requerido pelas empresas, em particular, bem como no contexto nacional, em sentido mais lato.

Q4 - Pensa que é possível distinguir vários campos de actividade informática? Quais e que traços os definem? Qual a evolução de cada um deles?

R4 - Supomos que por campos de actividade não se pretende referir as acções desenvolvidas pelas diversas categorias profissionais consagradas na informática: analistas de sistemas, programadores, operadores de computador e de captura de dados, etc.

Ao contrário do que pensam alguns informáticos, consideramos que a informática não é um compartimento estanque situado numa torre de marfim. Muito ao contrário deverá ser o órgão da Empresa responsável pela gestão e produção da sua informação, que designamos por quantificada, na ausência de termo mais adequado, embora apoiado essencialmente na ferramenta computador. O que significa que não se considera apenas o Centro de Processamento de Dados (CPD), mas todo o circuito que tem a sua origem no utilizador, finalizando nesse mesmo utilizador.

De modo a que o sistema global criado seja verdadeiramente eficaz para os seus utilizadores e, em definitivo, para as Empresas, aspecto este que deverá constituir o principal objectivo a atingir.

À semelhança do que sucede com outros departamentos consagrados na Empresa, nomeadamente para o exercício das funções Contabilísticas, Financeiras, de Produção ou de Pessoal. Isto significa que se torna necessário considerar a parte do circuito de informação que se situa entre o utilizador e o CPD. Muitas vezes esta parte do circuito é manual e quantas vezes mais dispendiosa e complexa que o próprio sistema informático. Para que tal função seja executada com eficácia toma-se necessário envolver no processo e de forma sistemática outros especialistas, nomeadamente os de Organização e Métodos, de Cálculo Científico e de Telecomunicações. Nos casos mais complexos, os especialistas de Produtividade e de Investigação Operacional. Mas para se atingir aquele objectivo de organização do circuito total e produção da informação adequada, é indispensável preparar os especialistas adequados, duma forma profissionalizada.

Sem qualquer receio dos actuais profissionais informáticos, porquanto se trata de funções complementares, cujo exercício pode ser devidamente regulamentado por «Especificações de Funções» e «Padrões de Realização» adequados.

É ainda desejável que se estabeleçam «Carreiras Profissionais» para as várias profissões, nada impedindo o seu cruzamento em condições a estudar adequadamente, sobretudo para acesso às categorias mais elevadas ou às posições de chefia.

Um outro aspecto relevante a considerar consiste na criação da categoria de «Chefes de Projectos», não para dar um título aos informáticos mais competentes ou activos, mas como medida que se impõe para a gestão mais apropriada dos projectos. Porém, a concretizarão deste passo fundamental relativamente ao futuro implica várias acções relevantes: a preparação adequada dos actuais especialistas na problemática de gestão de projectos, o envolvimento dos gestores de topo das Empresas no processo, bem como o

26 Vol. 2, Nº 2 REVISTA DE INFORMÁTICA

ENTREVISTA

envolvimento integral dos utilizadores nas diversas fases do projecto, nomeadamente através da sua participação em «Grupos de Trabalho».

Aquele envolvimento e definição de especializações será indispensável, porquanto a evolução a prever aponta para sistemas mais integrados de informação, apoiados em Bancos de Dados e processamentos em modo conversacional ou em tempo real, ou em processamento distribuído, assim como para a produção cada vez mais alargada de informação de tipo táctico e estratégico para suporte das acções dos gestores das empresas a todos os níveis nas tomadas de decisão que lhe são exigidas e nem sempre conseguidos com oportunidade.

Daí que consideremos indispensável o envolvimento cada vez mais intenso dos gestores das empresas no processo de produção da informação, bem como dos utilizadores.

Q5 - A Informática é algo de poderoso que pode transfortnar uma sociedade. Pensa que a Informática tem prestado um serviço positivo à sociedade portuguesa? Justifique.

R5 - Sem dúvida que a Informática é já uma ferramenta de produção de informação indispensável a grande número de empresas. Sem a qual as empresas de certo porte estariam em posições muito difíceis, nomeadamente na capítulo da concorrência, quer nacional quer internacional.

Mas a verdadeira eficácia só está atingida quando existirem sistemas de informação adequadamente desenvolvidos e estabelecidos. Que se tomará indispensável estudar, projectar e implantar com o envolvimento pleno dos utilizadores, conforme já referimos acima.

Este novo avanço deverá ser prioritário, sob pena de ficarmos irremediavelmente atrasados e sem quaisquer hipóteses de recuperação em relação aos países mais avançados neste domínio. Por outro lado, por motivo de feroz competição, que ainda será mais agravada com a entrada no Mercado Comum. Considerando apenas este facto, estamos certos que tal obrigará à prática, pelos gestores nacionais, de uma gestão mais científica. Que só será possível através da produção e utilização de informação mais eficaz e oportuna. Nomeadamente através da formulação de cenários alternativos, simulações e optimização de soluções.

Em nosso entender residirá aqui o principal problema a resolver durante a década em curso, com a agravante de não se dispor já de muito tempo para o efeito. Urge portanto definir objectivos realistas e adequados, bem como estabelecer estratégias apropriadas de desenvolvimento. Sob pena de vermos os Departamentos de Informação nacionais dirigidos por estrangeiros o que, entre muitos outros inconvenientes, ficará bastante mais dispendioso para a economia nacional.

Obviamente que consideramos que a informática tem prestado um serviço positivo à sociedade portuguesa. Só que, em nosso entender, tal serviço poderia e deveria ter sido melhor e mais eficazmente prestado.

Conforme se sugere do exposto acima, e queremos pô-lo de forma bem clara, as culpas do facto não podem ser exclusivamente imputadas aos profissionais da informática.

Q6 - Que pensa da actual Informática em Portugal? Pensa que, por exemplo, já era possível formarem-se técnicos competentes no nosso país? Pensa que é possível fazer alguma comparação com as Informáticas de outros países em vias de desenvolvimento? Esclareça se a comparação é desfavorável a Portugal e porquê?

R6 - Do exposto acima infere-se já que 'existe um atraso de alguns (muitos?) anos em relação aos países mais avançados e essencialmente motivado pela deficiente formação profissional. O atraso de uma década em informática é equivalente a várias décadas em outros ramos da técnica, mesmo considerando as mais avançadas, talvez com excepção da astronáutica, como já tivemos oportunidade de afirmar diversas vezes em outros locais.

No que respeita à formação de técnicos competentes no nosso País, impõe-se um esclarecimento.

Consideramos que um avanço significativo da informática só será alcançado quando existirem gestores informáticos devidamente qualificados e a todos os níveis. Isto só será possível através de um esforço de formação neste domínio, que consideramos mais prioritário que a formação dos especialistas. Muito embora estes também requeiram formação em técnicas específicas, no âmbito da sua especialização.

Obviamente que consideramos possível fazer a formação no País. Aliás não existe outra solução. É só pensar no custo actual de qualquer seminário de poucos dias realizado no estrangeiro.

A definição de prioridades adequadas neste domínio é, por sua vez, um assunto também prioritário.

Referindo agora a comparação com os países em vias de desenvolvimento, conhecemos essencialmente, embora de forma genérica, os países de expressão portuguesa. Obviamente que a comparação nos é largamente favorável, com exclusão do caso do Brasil. Se se pretende a comparação com países mais do nosso nível, então teremos de referir a existência de bons e maus aspectos. Estes são principalmente, devidos à falta de formação adequada.

Para finalizar, diremos que urge portanto que se tomem medidas adequadas.

Em nosso entender, através de uma metodologia constituída essencialmente pelos seguintes aspectos básicos:

1. Definição de políticas e objectivos claros e concretos, estratégia de acções a desenvolver, planos a estabelecer (sectoriais, nacionais, etc.).

2. Dentro das acções definidas no ponto anterior, desenvolver projectos de educação e formação, a níveis adequados, que envolvam não só os informáticos mas também os gestores de topo das empresas e os utilizadores dos sistemas de informação. Neste domínio, torna-se necessário mobilizar o maior número possível de informáticos, sobretudo os mais capazes e activos. Mas de forma a conjugarem devidamente os seus esforços numa acção verdadeiramente eficaz.

REVISTA DE INFORMÁTICA Vol. 2, Nº 2 27

ENTREVISTA

3. Incentivar devidamente a comunicação escrita e oral, para divulgação das técnicas, problemáticas e objectivos a atingir. Neste capítulo poderão representar papéis importantes os órgãos de informação escrita, que se dedicam a estas matérias, nomeadamente a Revista de Informática da API.

4. Paralelamente à dotação dos Centros de Processamento de Dados, nos casos mais importantes a serem designados por «Centros de Informação», «Sistemas de Inforinação» ou outra designação mais adequada, impõe-se o estabelecimento de alguns aspectos relevantes. De entre estes salientamos: organização adequada; estabelecimento de «Padrões de Realização» e de «Especificação de Funções»; definição de «Carreiras Profissionais»; redução do individualismo nas acções através de maior prática de trabalho em grupo; mais disciplina e cooperação nas acções entre informáticos, etc.

Obviamente que não cabe no âmbito de uma entrevista a exposição detalhada de cada um dos aspectos relevantes, para um melhor e mais apropriado debate destas ideias. Ficamos portanto pela apresentação dos tópicos essenciais, convidando desde já os informáticos, se assim o entenderem, a procederem à discussão dos vários aspectos do «package» apresentado.

Como se pode constatar pelo exposto acima, tal tarefa não será fácil, razão pela qual consideramos difícil a recuperação do atraso que nos separa dos países mais avançados.

Para finalizar, diremos apenas que urge que os informáticos assumam uma posição mais coerente face às Empresas. Que se preocupem convenientemente com a produtividade e os aspectos económicas da sua acção. Em contraste com muito do pretensiosismo de alguns quererem permanecer numa «torre de marfim». O que constitui um absurdo, em virtude de a informática ser uma função ao serviço das empresas, como aliás acontece com os restantes departamentos destas.

Enquanto tal atitude não for erradicada, permanecerá o confronto permanente entre o departamento de inforrnática e os restantes departamentos, sem nenhum benefício para qualquer das partes. diremos até que muito mais em prejuízo da informática.

Para a História da Informática

em Portugal

* Aparecimento de mecanografia * Introdução da Informática


1948.- 1949

-Grémio das Companhias Seguradoras

1957

- LNEC


- Instituto Nacional de Estatística

1966

- Tranquilidade


- Comissão Reguladora do Arroz

1969

- Comércio e Indústria


- Câmara Municipal de Lisboa

1970

- Império


- Grémio das Conservas de Peixe

1971

- Mundial

1950 - 1954

- Caixas de Previdência dos Profissionais do Comércio




- Fiat




- F. Ramada




- General Motors




- CRGE




- Cidla



1955

- Shell



1956

- Mobil




- BP




- Soponata




- Sacor




- Carris




- TLP




- União Eléctrica Portuguesa



28 Vol. 2, Nº 2 REVISTA DE INFORMÁTICA